a minha verdade,
a minha família e amigos,
a música,
a escrita.
A inocência foi embora a muito tempo. Era tão bom ter 20 anos. Virava as páginas da vida ávida por lê-las, e tomar ciência de todos os seus pormenores. Na adolescência até esta idade, a vida também parecia um tanto mais interessante.
Hoje me vejo muito mais madura, porém, a sensação que me dá é que tudo que vejo são páginas viradas, livros que já foram devera lidos de cabo a rabo, folheados, virados de ponta cabeça, e fitados de cima abaixo.
Ao mesmo tempo parece que aquela mesma menina inocente ainda habita em mim, como que esperando que algo seja ainda capaz de reascender a crença na vida novamente.
Como é possível ser feliz num mundo onde você é tratada como um ser insignificante, que sequer é capaz de pena, compaixão, paixão e que não lhe dão direito sequer à fala, desejo, escolha ou opinião? Afinal, você é considerada um ser menor, menos ser humano. Na verdade, sequer é vista como um ser humano.
Penso a todo momento o que vim fazer aqui. Sinto todos os dias que nada do que eu faço é suficiente para expressar toda a minha verdade, a minha dor e o meu amor, e o que vim trazer para este planeta. As minhas obrigações dragam 99% daquilo que eu gostaria de fazer e tenho a oferecer, e eu lembro de todas as mulheres que não puderem ser nada por tantos anos na história da humanidade por conta do machismo, e das poucas que conseguiram fazer, e que sofreram centenas de anos de epistemicídio. Muitas estão ainda sendo descobertas agora.
A rua é tão acolhedora. Nos arcos encontramos a nossa família. Pessoas que também fazem parte da nossa família, e fizeram parte da nossa história. Juntas contamos a história do Rio de Janeiro, a história que os homens brancos e colonos jamais irão contar.
Frequentamos a casa da Madame Satã, de Brigitte de Buzios, Jane Di Castro, Rogéria, de Luana Muniz, Majorie Marchi, Chiquinha Gonzaga, Eric de Jesus, Alessandra Makkeda, João Nery, Marielle Franco e tantas outras.
A menina que habita em mim continua viva e com o mesmo desejo e energia de mudança, mesmo que com ela muitos pedaços se vão pelo caminho, mas outros são acoplados.
O mundo não é o mundo que gostaríamos, mas estamos ainda lutando por ele.
- "A rosa meditativa" - Salvador Dali (1958)
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