quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Fim dos tempos

 



Sinto que o mundo acabou.


Chego mais perto para tentar enxergar. Me debruço no muro para ver se restou alguma coisa.


Olho no espelho para ver a vida que jaz nesse final, tentando achar alguma vida ainda em meio a morte arredor. Para minha decepção, vejo um cadáver. Percebo que já nasci morta. Eu nasci não sendo o que eu sou. Como pode alguém já nascer não sendo? Porém, ainda assim ao olhar no espelho, sinto esperança. Olho o cadáver, e controversamente, vejo vida. Olhar no espelho me dá aquele último fio de esperança, e me faz sentir que ainda há alguma vida mesmo diante de tanta devastação.


4 companheiros me acompanham nesta caminhada. Os adotei sabendo que podem ser minhas últimas companhias frente ao que está por vir. Me preocupo com o futuro, se terei como dá-los de comer. Ainda assim, tenho uma floresta aqui perto, onde posso pegar umas bananas, e uns insetos para eles se alimentarem (isso se as bananeiras aguentarem o aquecimento. Mas creio que sim - acho que de todas as espécies vegetais, elas serão as que mais vão se adaptar à nova temperatura do planeta).


Ultimamente algo mudou. Tudo está desbotado. Paira no ar uma névoa acinzentada, uma atmosfera que agora está constantemente turbulenta, muito variável, mutável e quase sempre fechada. É o novo clima. O excesso de evaporação está tornando os dias menos iluminados.


Mesmo sabendo que posso ser lida por bilhões de pessoas, sei que dessas, apenas uma dezena (quiçá isso) irão compreender minhas palavras, a urgência e o alerta do futuro. Há uma gigantesca solidão em meio à estas bilhões de pessoas, e as cidades marcham cegamente da mesma forma em meio ao caos. Há uma solidão abissal em meio a elas. Foi inaugurado um novo conceito de solidão: nesses tempos, estar diante de bilhões de pessoas é muito mais solitário do que se estivesse diante de uma única pessoa consciente.


Caminho dentro de mim mesma, tentando me resgatar. Busco a mim mesma dentro de mim, aquela que perdi desde que vim ao mundo. Puxa com a mão pela minha cabeça a minha alma. Eu estou ali, mas é tão difícil de acessar. Tento me libertar das correntes e dos grilhões que me acorrentaram, mas é muito difícil se desvencilhar. Aos poucos estou danificando, e rompendo alguns elos. Sinto que estou a cada dia mais perto de mim mesma, porém será que haverá alguém para testemunhar o dia que eu me encontrar? Ou melhor: o dia em que eu puder ser quem eu sou em plenitude? Ser livre. Pude ser eu mesma por alguns breves momentos. Momentos de profunda alegria. Mas esta alegria me foi retirada. O que resta para alguém como eu? Olho ao redor, e vejo outras pessoas que como eu também tiveram suas alegrias ceifadas. Será uma lei deste universo? Será que neste plano, não temos o direito de sermos felizes, sermos quem somos em plenitude e ter a vida que gostaríamos de ter, e ser? Ou será que esta conquista é só para alguns?


De que importa a resposta. O mundo está doente, e estamos indo para o mesmo buraco. Enquanto alguns podem viver em plenitude, e encontrar a felicidade, outros padecem em meio as injustiças. Aqueles que nos empurram para a situação em que nos encontramos, acabam prejudicando a todos. Um organismo vivo como o nosso planeta, não pode estar bem, se todos não estão. O planeta está padecendo da mesma forma que fazem conosco. Não há como se ter um planeta sadio, e que funcione em plenitude, sem que a nossa felicidade seja também garantida. No final, todos sofreremos as consequências desse mal, e ninguém escapará a salvo. Aqueles que jazem felizes neste momento, jazerão tristes, pois muita gente não fez o seu papel. Aqueles que se auto impedem de serem felizes, e se privam daquilo que amam, não podem jamais encontrar a felicidade, pois eles destroem a si mesmos. No final, todo mundo será impactado por isso.


Sentada numa estrada de terra em meio a um parque deserto, vejo uma enxurrada de água descendo o caminho de terra vindo em minha direção. Ela irá me atingir e vou ser levada pela água. Não consigo levantar. Tento levantar, e parece que estou grudada no chão. Faço todo o esforço do mundo, e não consigo levantar de jeito nenhum. Serei atingida pela água e levada pela correnteza. Não há o que fazer. Me resigno do meu destino.


Após um intenso réveillon, em meio a uma multidão esmagada de pessoas - dicotomicamente de muitas comemorações - saio de lá frente a uma cidade devastada. Ando no deserto urbano, passando por estradas, grandes vias e viadutos, sem encontrar ninguém. Vai escurecendo, e finalmente encontro o seu apartamento em frente a uma via férrea. Entro em seu apartamento e finalmente o encontro. Nem acreditei que finalmente eu consegui esse encontro. Logo depois, não consigo mais falar. Entro em cômodos tentando falar com ele, e eu não consigo. Não o encontro. E quando o encontro, sempre há uma impossibilidade.


Outro dia, vou à casa de uma outra pessoa. Logo ao chegar, entro e vejo que a casa dele havia se transformado em um centro espiritual. Haviam muitas pessoas sendo atendidas, e fazendo cânticos, tratamentos e rituais. Num outro dia vou e o encontro, tento falar com ele, mas não consigo. Sou avisada de que não posso ficar em uma parte da casa, os outros cômodos estão proibidos de eu acessar. Percebo que ele vai para dentro de um cômodo, e existe uma mulher lá dentro como se o prendesse ali. Olho para este cômodo de longe, e mesmo sendo do lado, sinto uma imensa distância. Percebo depois que há uma mulher lá dentro que fica de longe me fitando sem fazer contato visual. Eles ficam lá dentro distantes, e como uma dementadora, esta mulher suga ele por completo. Depois quando finalmente consegui falar com ele, disse que aquela mulher era um espírito maligno, extremamente negativo, que estava possuindo ele, levando ele para o abismo, e que ele tinha que se afastar dela o mais rápido possível. Sinto que ele me ouve, no fundo ele sabe disso, mas por estar muito contaminado, faz pouco caso e volta para o quarto, e a mulher continua a obsessão.


Vou embora com muita tristeza e preocupação, e sinto como se ele estivesse se enterrando. 


O meu sonho me foi retirado. 


Ele destruiu o meu sonho.