domingo, 26 de novembro de 2017

Anéis.


A maturidade nos dá capacidades incríveis.

A capacidade de olhar para o mundo como se estivesse viajando de avião, de entremear-se por dentro das almas, e brincar com suas raízes, analisar os seus troncos, seu aspecto, suas imperfeições, suas belezas. A capacidade de deslizar pela vida, como se estivesse escorregando por entre os caminhos escritos.

A capacidade de vagar por aí, apenas com a mente, e olhar cada realidade, vida, momentos, manchas, brilhos, dores, fugas, felicidades, falsidades, humildades, fraquezas, fortalezas.

A capacidade de pegar tijolos e simplesmente colocar nos locais que bem entender. A capacidade de pegar casas à princípio sólidas, imutáveis, maciças, inquebrantáveis, e desfazê-las como um cartelo de cartas, derrubá-las, ou contruir uma nova.

A capacidade de dançar por entre folhas, e não se deixar furar pelos seus espinhos. A capacidade de rir de coisas tristes, pois já não se afeta com a maldade de outrem. A capacidade de chorar por coisas felizes, pois consegue enxergar o lapso de felicidade e a possível ilusória felicidade momentânea de uma vida que encontra uma bolha, e por lá permace por uns tempos.

A capacidade se quiser, de frequentar essas bolhas, e curtir a gostosa sensação de suas cores, de sua maciez, de sua absoluta e aparente perfeição.

A facilidade de identificar tentáculos, e de ver a beleza de seres que não deviam estar nesse mundo. A facilidade de jogar sem querer ganhar. E se divertir com os acontecimentos.

Mas também trás as dores do conhecimento, o duro e opaco véu que se estende à sua frente, e envolve o seu e outros corpos.

A falsidade de mentes, sonhos, crenças e valores. A falsidade de sentimentos, de vida, e alma. O grande teatro que é a vida, interpretado por seres que não se identificam as origens.

Mas dá também a capacidade de vislumbrar um portal. Um portal onde as coisas mais belas e lindas da vida estão presentes. Onde tudo é perfeito, e se reside os bons valores. O vislumbre de um mundo que está em outro lugar, e ao mesmo tempo entremeado entre nós.

Um mundo onde poucos fazem parte, mas onde o destino à esses poucos espera. A luz por sobre os degraus que difícilmente escalamos, mas pela nossa essência, alcançamos.

A felicidade de saber que mesmo a felicidade mais primordial, é possível. Que a beleza a nossa volta pode ser fácilmente moldável, como uma criança que brinca com uma massinha de modelar.

Quanto mais velhos, mais jovens ficamos. E aprendemos a brincar com a vida, e a aproveitar aquilo que realmente devemos.

Aprendemos que escolhemos os nossos brinquedos, assim como nossas feridas. Que o mal reside naqueles que estão presos na infância, ilusória sensação de jovialidade, mas eterno atraso de espírito.

Que caminhemos rumo à deterioração desta experiência material. Mas que não deixemos por isso, que contaminemos nossa alma e corpo em vida com a deterioração daquilo que nos prende à primitividade e fragilidade de nossa condição humana.

O tempo é agora, e ele segue, e quando se olha para trás passaram histórias, sonhos, prazeres, felicidades e conquistas. Num piscar de olhos, você olha à volta, e percebe que tudo consigo residem apenas farrapos velhos, transparentes, esfiapados,  e sem vida.

Que tornemos este corpo forte, e dêmos voz à nossas almas.