quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Mulher do fim do mundo.

 



Olho ao redor. Não vejo nada.


O silêncio dá lugar à novos barulhos, antes não ouvidos por conta do som da vida. Aquela orquestra parou de tocar.  Sons novos surgem. A sonoplastia é outra. Seria uma nova sociedade? A atmosfera torna-se fria, poluída e macabra. Revejo um filme que já passou. Mas nesta hora é diferente. É definitivo.


Chega-se ao fim da linha.


O que fazer agora? Erguer uma nova sociedade? A partir de que? E quem? Tudo que se sabia existente, se sabe agora que não funcionava.


O roxo dá lugar às gigantescas marcas deixadas por dentro. Dói em todos os lugares. Qual dor é pior? A do corpo, ou a da alma? Difícil escolha se houvesse escolha. A alma deteriorada inaugura uma vastidão desertificada. São igualmente corrosivas, destrutivas. A minha pele se sufoca, e como se tentando falar o roxo se intensifica. Mãos fecham a minha boca e tornam a minha boca roxa com as marcas dos seus dedos. Como falar sobre o que não pode ser falado? Como conviver com a dor de não poder falar, com a dor de não poder ser ouvida? De não ter uma palavra amiga, de não ter alguém que possa lhe confortar nesta dor. Como falar aquilo que é inexplicável? Quando se nem mesmo entendo o porquê passou por aquilo que agora expresso em minhas mãos? Começo a inchar talvez como estratégia de também ser vista. Mas se vista, para que? Não faz sentido. Não restou nada. Ou restou? O que resta?


Vomito para dentro o grito sufocado. Implodo este ácido que me corrói e me mata aos poucos. O sentido desaparece, e eu perco as esperanças. Quando se é reincidente, o que lhe faria acreditar que não aconteceria de novo? Será que há coisas que devemos aceitar serem como são?



O que está acontecendo com o nosso Planeta? A extinção ocorre, mas ela ocorre em mim também. Como sobreviver a isso? Será que encontrarei semelhantes? Será que com eles poderei falar? Ou eles ficarão mudos da mesmo forma que fomos devastados? O vazio pode mesmo apagar tantas vozes silenciadas? Elas teriam também entendido o porquê passaram pelo que passaram? Toda aquela ebulição e pulsão de vida que buscava-se de beleza, diversidade, pluralidade de pensamentos, criações e infinitas idéias, toda aquela riqueza de matizes, cores, lutas, sonhos, coisas, causas, pessoas. Tudo aquilo teria mesmo desaparecido? Teria aquilo tudo mesmo sido em vão? Cadê aquela vida toda, toda aquela pluralidade, movimento, barulho, pulsão?



Olho para o lado e vejo os meus próprios escombros. Ando por meio de meus escombros tentando buscar ali uma identidade de vida, dos sonhos perdidos, propostas de realizações, tentando resgatar o pouco que sobrou da existência daquilo que já se foi. Vejo toda a minha vida ali, derrubada. Bagunçada, em cacos. Passeio e venero meus escombros como um troféu. Teria coisa mais valiosa do que aquilo que acumulamos dentro de nós? No meio de todos aqueles pedaços, fico feliz por contemplá-los e tê-los comigo. As coisas ruins simplesmente nos fazem felizes por estarem com a gente. Teria algo mais fiel a nós do que nossos próprios escombros? Eles nunca irão sair dali. Corte-os em mil pedaços, e eles continuarão existindo, basta você guardar suas partes, o seu pó, sua matéria e átomos. Venero e glorifico os meus escombros como afrescos sagrados, valorosas conquistas. Eles abençoam a minha vida, e guardam os restos do propósito daquilo que se gostaria de existir. Eles contam a história daquelas terras longínquas, distantes, porém tão perto no tempo. A história da destruição. A história da vida que iria existir, e gostaria de alcançar. Namoro meus entulhos como os escombros da minha alma, devoro os escombros deixados pelos outros. Que boas lembranças... Os escombros de minha pele. Ando por eles cuidadosamente para não me machucar. Não se existe mais tempo. Ando devagar, tentando aproveitar toda esta seiva do escombro, que como simbiose, me retroalimenta. O tempo derrete e se arrasta os segundos como facas de libertação. O tempo não existe mais. O tempo se torna o tempo até acontecer outra coisa. Não deu tempo...



O que nos espera do outro lado? Nesse raiar do sol que se faz do dia seguinte? Aquilo que sabemos, estará sempre ali? Será mesmo que para toda melhora e revolução, teremos que passar por tamanha destruição? Qual o milagre que fará a eles mudarem o rumo da história? Quando perceberão que cabe a eles impedir que as coisas se pintem de roxo. Que a nossa alma exploda, e se transforme em cacos? Quanta dor ainda teremos de aguentar? 
Gritamos a nossa dor. E não vamos nos calar. Nossas vozes juntas permitem que sejamos ouvidas, e nos dão o único propósito e capacidade de saber que não estamos sozinhas e estamos apontando para o lado certo.


O que nos espera neste novo raiar de sol?.......




2 comentários:

  1. Vivian Fróes Ferrão O filme já passou, mas não, não é definitivo. Não chegamos ao fim da linha. Há muito por vir. Alguns de nós sabem o que funciona e sim, vamos educar os que nos ouvirem, vamos para além dessa linha.

    Eu sei que dói. Mas ainda há alguém para lhe confortar na dor, escrevo aqui a palavra amiga. E como se fala aquilo que é inexplicável? Com música, ou seja, com a filosofia que não depende de conceitos. E o que restou? A vida, Vivian. O que há de mais rico do que isso?

    O sentido é desnecessário e a esperança é o último dos males para quem souber criar o futuro. Deixe-os na caixa de Pandora. E não, não é preciso aceitar. Podemos transformar. E a vida está dentro da Vivian.

    Acredite em mim, o que há mais próximo de uma casa em escombros é uma casa em construção. E o tempo não se esgota, por que ele não anda em linha reta.

    Definitivamente não sei o que nos espera, mas saiba que você não está só.

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  2. Música lava a alma e nos leva para o infinito. Cura qualquer
    dor.

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